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Assessoria de imprensa

Manoel Marcondes Machado Neto

O jornalismo tornou-se algo tão venenoso, que as organizações passaram a contratar jornalistas como antídoto. Mas nem sempre o soro funciona. E o paciente moribundo não é o caipira descalço, mas sim a verdade, essa musa frágil e igualmente despida de botas.

O que se verifica hoje, com as distorções do mercado de trabalho no campo da comunicação, é um verdadeiro exército de jornalistas atuando fora dos veículos, dedicados a montar “redações” dentro de empresas, sindicatos e ONGs. Bunkers de “coleguinhas”. Prontos para contra-atacar, ou, pelo menos, neutralizar a imprensa – esta repleta de acionistas-controladores comprometidos, editores sobrecarregados, jornalistas inexperientes e estagiários à beira do analfabetismo. Há exceções... que só fazem comprovar a regra.

Exemplo: ouça, diariamente, “A Voz do Brasil” – um dos mais execrados e polêmicos programas da mídia nacional – imposto por lei ditatorial. O locutor capricha antes de chamar a “sonora” da reportagem: - a repórter Fulana de Tal, jornalista do Tribunal de Contas da União tem mais informações... Repórter? Jornalista de TCU? Pare que eu quero descer!

A síndrome da “crise de imagem pública” tornou obrigatória a disciplina “gerenciamento de crises” nos MBAs da vida, mas o que se vê, na maioria das vezes, é um amontoado de truques para contornar o noticiário, engabelar a opinião pública e fazer executivos – os bons e os maus – aparecerem “bem na foto”. Um maná bem pago de media training.

No frigir de ofídicos ovos, principalmente nos veículos dedicados à cobertura econômica e de negócios, o que lemos, vemos e ouvimos diariamente, é mais fruto de comunicação mercadológica dos interessados que cobertura jornalística por parte da mídia. O aspecto comercial sobrepuja enormemente a consciência crítica dos veículos – se é que isso algum dia houve – e o pastiche diário se repete em segundas e terceiras edições.

A propaganda sempre fez “cair” material jornalístico na última hora. Afinal, os cofres dos barões da mídia precisam mais de “alimento” que os míseros milhões de brasileiros que ainda lêem jornal. Mas trata-se aqui de outra queda.

É hoje corriqueiro que os jornais publiquem matérias inteiras elaboradas por outsiders – sem reportagem, sem apuração, sem revisão ou copydesk. Assessorias bem apanhadas são contratadas a peso de ouro; afinal contam com aquele ex-editor do “Estadão”, aquele ex-repórter investigativo da revista “IstoÉ” ou aquele afiadíssimo ex-colunista do “Jornal da Globo”.

Quem ganha essa guerra?

Com base no tráfico de informação e influência que se pratica, os vencedores são os mesmos de sempre: as grandes corporações. E nem se fala no poder de veto que advém dessas mesmas organizações quando recebem a alcunha, no mundo da mídia, de “anunciantes”.

Quem perde?

Também o perdedor de sempre: a cidadania, esta outra delicada ninfa, prima da verdade e irmã da justiça.

Nos países desenvolvidos o jornalista que atua em relações públicas fica obrigado a renunciar ao seu ofício nas redações. Aqui, jornalistas experientes vivem de “frilas” e pousam, semestre sim semestre não, nas assessorias de comunicação das grandes empresas. Intercalam esse pingue-pongue com livre acesso às redações, da grande imprensa ao jornalismo sindical, da TV aberta às revistas de fofocas, do cable aos veículos especializados em cultura, esportes, moda, culinária etc.

E – ninguém esqueça – estamos no Brasil, onde tramita, no Congresso Nacional, um projeto de lei que torna privativo do jornalista o exercício da assessoria de imprensa.

Que fazer?

Conclamar as organizações da sociedade civil para uma luta por informação menos comprometida. Chama-las à consciência e fazê-las pressionar os legisladores – pelo menos aqueles que não são donos de malfadadas redações e concessões de rádio e TV – por um sistema que impeça, ou pelo menos reduza o efeito do poder econômico sobre as redações. Pugnar pela volta da dignidade aos veículos de comunicação, combatendo a “estagiomania” e a terceirização predadora.

Reviver a controvérsia, na qual as organizações emitem, a mídia apura, investiga, e a cidadania sai ganhando, a democracia sai fortalecida. A imprensa cumpre seu papel e as organizações se aperfeiçoam no trato da coisa pública.

Se o aparelhamento das organizações aliado à mediocridade das redações não mudar por exigência da sociedade, em breve, berlusconianamente, o mau cheiro, no dia seguinte, não virá do peixe, mas do papel que o embrulha.

(Publicado no site www.comunique-se.com.br em julho de 2006).

 

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